Trazer o consumo sustentável para o mainstream

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Trazer o consumo sustentável para o mainstream

Nos últimos anos, o desejo de consumir menos – e melhor – tem ganho força entre as pessoas e as empresas. Um número crescente de consumidores quer uma sociedade mais justa, que demonstre mais respeito pelo meio ambiente. Embora possa parecer uma mera tendência passageira, o consumo sustentável está a caminho de tornar-se o padrão nos próximos anos – na mente das pessoas, bem como nos livros de Direito em toda a Europa…

O crescimento sustentável é um dos principais objetivos da União Europeia, nomeadamente através do seu Pacto Ecológico Europeu/European Green Deal. Como é mais importante do que nunca que as empresas estejam preparadas para o futuro, pedimos a Sihem Dekhili, professora da Universidade de Estrasburgo e especialista em consumo responsável, para nos ajudar a decifrar o que está por trás destes novos padrões de consumo.

O que é a economia circular e como beneficia os negócios?

A economia circular é parte de um processo de transição ecológica e energética que visa permitir às empresas disponibilizarem bens e serviços produzidos de forma sustentável. Embora isso possa parecer restritivo à primeira vista, é, no entanto, uma estratégia que oferece muitas vantagens:

1) Atrai novos clientes com preocupações ambientais, ao mesmo tempo que alerta consciências para os clientes que já têm.

2) Permite às empresas estarem um passo à frente no tema das regulamentações futuras e, ao fazê-lo, tornam-se mais competitivas e atraentes do que os seus concorrentes aos olhos de talentos a recrutar e dos potenciais clientes.

3) Consciencializa os colaboradores e junta-os em torno de valores comuns, dando sentido ao seu trabalho.

4) Gera empregos: a reciclagem é um dos pilares da economia circular e requer quatro vezes mais pessoas do que um aterro.

De acordo com Sihem Dekhili, a economia circular é tanto mais importante para as empresas uma vez que anda de mãos dadas com as expetativas dos consumidores em relação à imagem de uma marca: “há relatos que mencionam que os consumidores às vezes têm expetativas mais altas em relação às empresas e às marcas do que em relação às entidades que criam as políticas. Os consumidores perceberam que o papel deste último pode não ser o mais importante”.

O Pacto Ecológico Europeu inclui um novo plano de ação para uma economia circular nesse sentido, para que essas práticas sustentáveis sejam implementadas em toda a União Europeia.

Cadeias de fornecedores mais verdes/mais ecológicos :

É perfeitamente possível tornar as cadeias de fornecedores mais sustentáveis. Aqui ficam alguns exemplos de ações concretas:

1) Optar por matérias-primas não poluentes.

2) Utilizar meios de transporte mais ecológicos, como ferroviário ou hidroviário e otimizar as viagens de ida e volta.

3) Rever o consumo energético dos armazéns através da utilização de lâmpadas de baixo consumo, assegurando a sua manutenção com produtos de limpeza amigos do ambiente, ou utilizando embalagens recicláveis para os produtos.

4) Utilizar indicadores para acompanhar o desempenho eco-responsável das cadeias de fornecedores. Por exemplo, o ICE (indicadores de condição ambiental) permite medir o impacto ambiental de uma atividade, principalmente em termos de poluição.

Algumas ferramentas e iniciativas concretas para reduzir a pegada de carbono

Para medir a pegada ambiental das cadeias de fornecedores das empresas de modo mais concreto, a plataforma CO2 AI Product Ecosystem desenvolveu um algoritmo baseado em IA que possibilita testar diferentes cenários e avançar para práticas mais sustentáveis.

A participação concreta de todas as partes interessadas/stakeholders (em particular, as empresas) é importante, se quisermos alcançar uma transformação sustentável da sociedade. De acordo com Dekhili, essa responsabilidade não deve ser colocada somente nos consumidores: “as empresas estão em melhor posição para impactar a sustentabilidade e são hábeis em influenciar o comportamento do consumidor”.

Dekhili também acredita que a legislação é importante na medida em que representa “algo bastante forte que provavelmente mudará paradigmas. No entanto, o poder legislativo não pode ser confiado de modo isolado, porque, mesmo em situações urgentes, a política demora tempo”.

Consumo responsável no dia a dia: de aplicações a pequenos empréstimos

APPs de smartphones como a Yuka podem facilitar a vida dos consumidores, permitindo fotografar um produto e obter em temo real as informações sobre sua composição – com algumas alternativas sustentáveis, se necessário. O que torna estas aplicações interessantes é o facto de proporcionarem mais transparência ao consumidor sobre o que compram, possibilitando chegar a um público com preocupações ambientais, mas não essenciais em relação à composição de um produto: “precisamos de criar outros argumentos ”, diz Dekhili, “especialmente acerca de benefícios individuais, como o facto de determinado produto ecologicamente correto, ser também benéfico para o consumidor, para a sua saúde e para o seu bem-estar. Porque o consumidor compra um produto para si e a questão ambiental e social pode vir em segundo lugar.”

O BNPL (Buy Now Pay Later) é outra solução que ajuda os consumidores a fracionar o pagamento em várias prestações, permitindo optar por produtos que, podem ser um pouco mais caros, mas que são mais amigos do ambiente e duram mais tempo. Para Sihem Dekhili, a noção de preço justo torna-se essencial: “há uma categoria de consumidores que tem fortes restrições em termos de poder de compra. Hoje, todos se preocupam com práticas responsáveis, mas há camadas de produtos ecologicamente corretos que são relativamente caros e não estão ao alcance de todos. É aqui que entra a importância da noção de preço justo – essa noção de justiça de preço. Porque, embora muitos consumidores não sejam necessariamente contra pagar mais, o preço deve ser justificado. Há um problema em torno da transparência dos preços.”

Pode afirmar-se que os valores dos consumidores refletem-se nos seus hábitos de compra: a adoção de produtos locais também amigos do ambiente e que respeitam o bem-estar animal está em ascensão, assim como novas formas de viajar, que também incentivam um melhor consumo. A procura existe, mas as empresas têm também um papel a desempenhar para tornar essas práticas acessíveis. Implementá-las hoje significa ter uma vantagem sobre as futuras leis europeias – e, além disso, mostra que a eco-responsabilidade não é apenas uma questão de obrigação. Para Sihem Dekhili, “as empresas talvez sejam tão importantes quanto os políticos nesse processo, pois podem ter um impacto muito significativo, através das escolhas que fazem”.